O psicanalista Daniel Lima tem escrito uma bela história em Venturosa e cidades vizinhas. Seu trabalho já é conhecido e respeitado, tanto que foi laureado com o prêmio Impar por sua atuação. Agora os meios de comunicação de nossa região também registram as palavras de Daniel. O blog, que já hospedou outros de seus textos, tem o prazer de apresentar aos seus leitores artigo publicado no jornal Mais Saúde. Boa leitura!
SOBRE
O SENTIMENTO DE SOLIDÃO
“A solidão é fera, a solidão devora.
É amiga das horas prima irmã do tempo,
E faz nossos relógios caminharem lentos,
Causando um descompasso no meu coração.”
(Alceu
Valença, Solidão)
Atualmente, temos
tanta facilidade de comunicação e, ao mesmo tempo, tanto isolamento social. Será
que o mundo da tecnologia e da crescente expansão dos meios de comunicação está
produzindo indivíduos mais solitários? As tecnologias de comunicação nos iludem
com a promessa de pôr fim aos limites do eu e do outro. Através da Internet,
podemos sempre estar conectados, com a ingênua ilusão de que nunca iremos ficar
sós, porém esses meios não nos ligam inteiramente às outras pessoas. Ao
contrário, nos ligam ao vazio.
O Dicionário Larousse Cultural define a
solidão como um estado de quem está só. Do latim, solitudo, significa isolamento, ausência de relações sociais; lugar
despovoado e não frequentado pelas pessoas. A Filosofia define, de maneira
geral, como algo que faz parte da existência humana. “A solidão, apesar de ser algo sentido a um nível universal, é ao mesmo
tempo complexa e única a cada indivíduo. A solidão não tem causa única comum,
por isto, as prevenções e os tratamentos para este estado de espírito variam bastante
de pessoa para pessoa”, explica a psicóloga clínica Cristiana Pereira, em A Solidão.
Freud, ao longo de
todo o seu desenvolvimento teórico, afirma a intensa dependência que um ser
humano possui do outro, para sobreviver e se desenvolver. Ele formula a
compreensão de que o desamparo seria uma condição fundadora do ser humano,
lugar em que a solidão adquire um novo significado, pois só é possível se
humanizar nas relações. Somos vulneráveis ao desejo, à vontade e ao olhar de
outro. O que ocorre é que, muitas vezes, essa dependência se torna tão grande
que anulamos nosso próprio desejo, nossas vontades e nosso olhar em função de
outras pessoas. Ficamos alienados de nós mesmos, não sabendo nomear sozinhos o
que nos faz sofrer. Assim, em momentos de solidão, somos tomados pela angústia,
quando aquilo que está oculto em nós (que negamos em prol do outro) pode
irromper (Freud, 1926/1993).
Sobre o tema, a
psicanalista Melanie Klein em sua obra “Sobre
o sentimento de solidão”, publicada em 1959, diz: “Por sentimento de solidão não estou me referindo à situação objetiva de
ser privado da companhia externa. Estou me referindo ao sentimento de solidão
interior – o sentimento de estar sozinho independentemente das circunstâncias
externas; sentir-se só mesmo quando entre amigos ou recebendo amor”. Para o
psicanalista Françoise Dolto, a solidão faz parte da existência: “O espaço de um ser humano, desde o
nascimento precisa ser povoado pela presença psíquica de outro ser, para o qual
ele existe”. O pediatra e psicanalista Donald Winnicot, por volta de 1958,
elaborou teorias sobre “a capacidade de
estar só”. Para ele, esta situação representava um sinal de maturidade
emocional, diferenciando-se tanto do medo quanto do desejo de estar só. É comum
ouvirmos que a solidão é um sintoma cultural da Pós-Modernidade, porém Lacan
não concorda com esta afirmação, pois o sintoma psicanalítico é favorecedor de
vínculo social e a solidão faz o movimento contrário.
A solidão não é algo
que podemos escolher ou abandonar: somos solitários. Afinal, cada um é único e
não é possível dividir com outra pessoa de forma plena todas as sensações,
percepções e transformações internas que experimentamos. Sentimos com o nosso
próprio corpo e nossa história de vida – e é através desse corpo e dessa
história que percebemos e interagimos com o mundo, de forma tão singular. Ao
contrário do que se pensa, só é possível estar verdadeiramente com o outro
quando se sabe estar só. Clarice Lispector (1996) se pergunta: “amor será dar de presente um ao outro a
própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si” (p.155).
Dar a solidão é poder entregar-se integralmente.
O filósofo alemão
Martin Heidegger (1889-1976) afirma, em “Ser
e Tempo”, que estar só é a condição original de todo ser humano. Que cada
um de nós é só no mundo. É como se nascer fosse uma espécie de lançamento da
pessoa à sua própria sorte. Podemos nos conformar com isso ou não. Mas nos
distinguimos uns dos outros pela maneira como lidamos com a solidão e com o
sentimento de liberdade ou de abandono que dela decorre, dependendo do modo
como interpretamos a origem de nossa existência.
Qual a contribuição
da Psicanálise, já que o sentimento de solidão faz parte do ser humano? A análise
é uma oportunidade de fortalecimento e desenvolvimento dos recursos interiores.
Com isto, é possível pensarmos em um “amadurecimento emocional”, o que,
certamente, irá possibilitar uma significativa melhoria nas relações sociais,
minimizando assim, a sensação da solidão. Dito na linguagem psicanalítica, é a
possibilidade de o desejo, motor da vida e promotor dos laços sociais, realizar
uma transformação no sentido de favorecer a alteridade e, ao mesmo tempo,
retirar o sujeito da exaltação do Eu.
Daniel
Lima
Psicanalista