Luto: colaboração da
psicanálise na elaboração da perda.
“É que a morte também é uma
terrível brutalidade –
nenhum engodo é possível! – não apenas enquanto
acontecimento físico, mas ainda mais como um acontecimento
psíquico: um ser humano é arrancado da vida e o que permanece
é um silêncio mortal e gelado. Não há mais esperança de
estabelecer qualquer relação: todas as pontes estão cortadas.”
(Carl Gustav Jung)
A morte é algo natural da
vida, entretanto, muitas vezes o ser humano encontra-se perdido, sem saber como
lidar com o luto. Diante da perda de um
ente querido é normal sentirmos que a nossa própria vida não tem mais sentido.
A sensação da perda e do vazio causado pela morte nos leva ao sentimento de
luto. Segundo a
psicóloga clínica
Jaramillo,
luto “é o trabalho pessoal, individual
para se reacomodar a uma vida diferente após a perda de alguém ou algo muito
valorizado, de reaprender o mundo, irreversivelmente transformado sem ele/a” (Morrer Bem, 2006,
p.198).
O luto é um processo
que, automaticamente, se inicia após a perda de alguém que conhecemos e
valorizamos, e traz consigo um conjunto de sentimentos de pesar ou dor; uma
certeza angustiante de que aquela pessoa se foi para sempre. É nesse momento
que percebemos que a morte é inevitável – chegará um dia para todos. Portanto,
o estado de luto pressupõe a experiência da morte, que pode ser uma morte real
ou um sentimento semelhante ao da morte, resultante de uma separação tal que
parece ser irreversível. Posto isso, é preciso reconhecer e compreender os
sentimentos e os sintomas de um processo de enlutamento.
A
psiquiatra Kubler-Ross descreve cinco estágios do luto: 1- Negação, 2- Raiva,
3- Barganha, 4- Depressão e 5- Aceitação. Para ela “há muitas razões para se fugir de encarar a morte calmamente. Uma das
mais importantes é que, hoje em dia, morrer é triste demais sob vários
aspectos, sobretudo é muito solitário, muito mecânico e desumano.” (Sobre a
Morte e o Morrer, 1981). Lutar para não viver o luto,
quando a experiência da morte se dá, é como tentar negar algo natural; algo que
é próprio da nossa experiência finita. Trabalhar a dor da perda é o melhor
caminho, pois assim o caminho até a aceitação tornar-se-á possível, evitando
que aquilo que é natural torne-se patológico, causando sofrimentos
desnecessários.
Existem aquelas pessoas que conseguem vivenciar o luto
sem maiores problemas e, após certo tempo, voltam à rotina, levando a vida com
a mesma naturalidade de antes. Contudo, isso não é a regra para todos, visto
que cada um possui uma estrutura psíquica própria, traços biológicos,
experiências humanas e visão de mundo, fazendo com que a resposta ao luto não
seja uniforme. Por exemplo, para alguns, a partir do luto podem surgir sintomas
de uma depressão passageira; em outros, de uma depressão mais profunda.
Em seu brilhante
ensaio O Luto e a Melancolia, Sigmund Freud (1915/1975) lançou
as linhas mestras das semelhanças e diferenças entre a melancolia e o processo
de luto. Diz Freud, “No luto, é o mundo que se torna pobre
e vazio; na melancolia, é o próprio eu”. Embora encontremos no luto alguns sintomas que
remetem à melancolia, é possível diferenciá-los essencialmente num ponto: na
melancolia, há uma diminuição radical na capacidade de amar e de expressar
sentimentos. Ou seja, uma depreciação do próprio sujeito, uma degradação dos
sentimentos de autoestima. No estado de melancolia, o indivíduo está tão
voltado para si mesmo, para o seu “eu”, que não consegue olhar para o outro e
para o mundo que está ao seu redor.
A psicanálise, apresenta-se como recurso muito
importante no processo de superação do luto, pois, através dela, o indivíduo é
conduzido ao seu autoconhecimento, aprendendo, portanto, a lidar melhor com a
sua perda, ressignificar a sua dor e conhecer os seus próprios limites,
motivando-se a seguir em frente, com a autoestima renovada e retomando o
sentido da sua existência, de maneira que a tristeza patológica não tome lugar,
mas, ao invés disso, fiquem as boas lembranças daquele que se foi; ou, no caso
de alguém que não morreu biologicamente, mas se foi para não mais voltar, que
fique a convicção de que a vida é uma construção contínua, na medida em que
algumas pessoas às vezes se vão – “morrendo” para nós -, mas outras pessoas surgem
- “nascendo” para nós.
Daniel Lima – Psicanalista.