sexta-feira, 20 de julho de 2018

SAÚDE: DANIEL LIMA ESCREVE SOBRE O LUTO



Luto: colaboração da psicanálise na elaboração da perda.

 

 É que a morte também é uma terrível brutalidade –
nenhum engodo é possível! – não apenas enquanto
acontecimento físico, mas ainda mais como um acontecimento
psíquico: um ser humano é arrancado da vida e o que permanece
é um silêncio mortal e gelado. Não há mais esperança de
estabelecer qualquer relação: todas as pontes estão cortadas.
(Carl Gustav Jung)

A morte é algo natural da vida, entretanto, muitas vezes o ser humano encontra-se perdido, sem saber como lidar com o luto. Diante da perda de um ente querido é normal sentirmos que a nossa própria vida não tem mais sentido. A sensação da perda e do vazio causado pela morte nos leva ao sentimento de luto. Segundo a psicóloga clínica Jaramillo, luto “é o trabalho pessoal, individual para se reacomodar a uma vida diferente após a perda de alguém ou algo muito valorizado, de reaprender o mundo, irreversivelmente transformado sem ele/a” (Morrer Bem, 2006, p.198).
O luto é um processo que, automaticamente, se inicia após a perda de alguém que conhecemos e valorizamos, e traz consigo um conjunto de sentimentos de pesar ou dor; uma certeza angustiante de que aquela pessoa se foi para sempre. É nesse momento que percebemos que a morte é inevitável – chegará um dia para todos. Portanto, o estado de luto pressupõe a experiência da morte, que pode ser uma morte real ou um sentimento semelhante ao da morte, resultante de uma separação tal que parece ser irreversível. Posto isso, é preciso reconhecer e compreender os sentimentos e os sintomas de um processo de enlutamento.
A psiquiatra Kubler-Ross descreve cinco estágios do luto: 1- Negação, 2- Raiva, 3- Barganha, 4- Depressão e 5- Aceitação. Para ela “há muitas razões para se fugir de encarar a morte calmamente. Uma das mais importantes é que, hoje em dia, morrer é triste demais sob vários aspectos, sobretudo é muito solitário, muito mecânico e desumano.” (Sobre a Morte e o Morrer, 1981). Lutar para não viver o luto, quando a experiência da morte se dá, é como tentar negar algo natural; algo que é próprio da nossa experiência finita. Trabalhar a dor da perda é o melhor caminho, pois assim o caminho até a aceitação tornar-se-á possível, evitando que aquilo que é natural torne-se patológico, causando sofrimentos desnecessários.
Existem aquelas pessoas que conseguem vivenciar o luto sem maiores problemas e, após certo tempo, voltam à rotina, levando a vida com a mesma naturalidade de antes. Contudo, isso não é a regra para todos, visto que cada um possui uma estrutura psíquica própria, traços biológicos, experiências humanas e visão de mundo, fazendo com que a resposta ao luto não seja uniforme. Por exemplo, para alguns, a partir do luto podem surgir sintomas de uma depressão passageira; em outros, de uma depressão mais profunda.
Em seu brilhante ensaio O Luto e a Melancolia, Sigmund Freud (1915/1975) lançou as linhas mestras das semelhanças e diferenças entre a melancolia e o processo de luto. Diz Freud, No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio eu”. Embora encontremos no luto alguns sintomas que remetem à melancolia, é possível diferenciá-los essencialmente num ponto: na melancolia, há uma diminuição radical na capacidade de amar e de expressar sentimentos. Ou seja, uma depreciação do próprio sujeito, uma degradação dos sentimentos de autoestima. No estado de melancolia, o indivíduo está tão voltado para si mesmo, para o seu “eu”, que não consegue olhar para o outro e para o mundo que está ao seu redor.
A psicanálise, apresenta-se como recurso muito importante no processo de superação do luto, pois, através dela, o indivíduo é conduzido ao seu autoconhecimento, aprendendo, portanto, a lidar melhor com a sua perda, ressignificar a sua dor e conhecer os seus próprios limites, motivando-se a seguir em frente, com a autoestima renovada e retomando o sentido da sua existência, de maneira que a tristeza patológica não tome lugar, mas, ao invés disso, fiquem as boas lembranças daquele que se foi; ou, no caso de alguém que não morreu biologicamente, mas se foi para não mais voltar, que fique a convicção de que a vida é uma construção contínua, na medida em que algumas pessoas às vezes se vão – “morrendo” para nós -, mas outras pessoas surgem - “nascendo” para nós. 

Daniel Lima – Psicanalista.


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