Basta ser feliz? No mundo em que vivemos parece que não. Tempos de artificialidade que cobram caro pela vida virtual e de aparência. Cada vez mais e mais pessoas adoecem suas mentes e seus corpos por não compreenderem que não são obrigadas a reproduzir o modelo imposto nem a seguir tendências irreais.
Em mais um artigo brilhantemente escrito, o psicanalista Daniel Lima nos fala sobre o mal estar do mundo atual. Uma leitura necessária e prazerosa para aqueles que desejam começar sua jornada pessoal de autonomia e felicidade.
Boa leitura!
O MAL-ESTAR DA CIVILIZAÇÃO ATUAL
Em nossos dias é proibido sofrer, muitos
preferem recorrer aos remédios a encarar o sofrimento. Vivemos uma exposição
constante nas redes sociais, de modo que este espaço deixou de ser um espaço
para o marketing profissional e se transformou no marketing pessoal. Não basta
ser feliz, é preciso mostrar para o mundo como estamos felizes, mesmo quando na
realidade não estamos. Não basta ser filho, temos que ser o melhor filho.
Então, qual é a busca do ser humano hoje? Uma busca desenfreada pela
felicidade. O filósofo Platão já dizia que “todas
as pessoas querem ser felizes”, mas hoje se quer o mínimo de sofrimento
possível e aí muitas coisas se perdem, pois nesta busca da felicidade é
proibido sofrer.
A cultura atual é de imediatismo. Os
indivíduos estão em uma constante busca de prazer momentâneo e imediato,
estando assim nunca satisfeitos. Freud em sua obra “o mal-estar da civilização” aponta o relacionamento com os outros
como a causa de maior sofrimento do homem. O mal-estar na civilização é o
mal-estar dos laços sociais. Freud também considerava que o objetivo da vida é
a felicidade, porém o caminho para essa realização pode ser nebuloso. Um tempo
para sofrer e reencontrar a vida, superar a névoa escura. “O paradoxo da nossa existência consiste no fato que, quanto mais
conquistamos, dentro de nós, a capacidade de sentir, de ter emoções e sentimentos,
mais nos dispomos à dor” (Freud em O
Mal-estar da Civilização, 1929).
Schopenhauer diz: “a vida é dor e, se não é dor, é tédio”. Vivemos numa sociedade que
diz: “temos que buscar a felicidade, sem
dor. Se você sofre é porque algo está errado”. A impossibilidade de uma
experiência de gozo absoluto é o que assegura a durabilidade do desejo e o
mantém vivo. Mas como o imperativo contemporâneo é o da “satisfação já”, o sofrimento e a dor inerentes ao humano não são
mais suportáveis. Quer ser realmente feliz? Então, antes de tudo, é preciso
aprender a caminhar na ambivalência, desconsiderando o conceito publicitário de
felicidade. A felicidade não é um estágio alienante, um comercial, uma caixa só
de alegrias. O filósofo iluminista Montesquieu em sua obra Meus Pensamentos diz: “se só
quiséssemos ser felizes, seria fácil. Mas queremos ser mais felizes que os
outros, e isso é quase sempre difícil, porque acreditamos serem os outros mais
felizes do que são”. Os indivíduos buscam no outro aquilo que lhes falta. A
falha do outro reflete justamente aquilo que lhe falta. A consequência disso é
que o sujeito contemporâneo se tornou mais frágil e se sente mais impotente
diante de tanta solidão.
O sujeito busca o prazer sem levar em
conta os limites do simbólico paterno e do princípio da realidade. A tentativa
de apaziguar o desprazer de uma maneira a gozar absolutamente leva o sujeito à
morte. Trata-se de uma cultura da pulsão de morte, em que o prazer não é mais
controlado e a busca por ele se torna o propósito máximo da vida. A pulsão de
morte, aqui tratada no sentido de abolição de uma tensão, de viver ao abrigo do
sofrimento, caracteriza o que Freud em 1920 propôs que vai além do princípio do prazer. Percebe-se, desta forma, que na
cultura de hoje não se tolera o sofrimento. E na busca de uma satisfação total,
prefere abrir mão do sentir em detrimento do agir. As influências externas
refletem muito no interior do indivíduo. Atualmente, não vale apenas o que você
é, mas sim o que transparece para as pessoas, o que reflete em uma cobrança não
só externa como interna.
Feliz é a pessoa cujos desejos e anseios
mais profundos não causam desassossego; é quem está em sintonia consigo mesmo
na serenidade da mente, na alegria do coração e no bem-estar do corpo. É
preciso “aceitar que nosso destino é só
nosso. Que nossa tristeza ou alegria dependem de nós mesmos” (Espinoza em Da origem e da natureza das afecções).
Para haver alegria, tem que haver tristeza.
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