O texto é de Janio de Freitas, um dos mais importantes jornalistas do país, e foi publicado na Folha de São Paulo.
Os procuradores que acusam Lula na Lava Jato não ficaram satisfeitos com o resultado do interrogatório feito pelo juiz Sergio Moro. E o que vem agora não lhes promete melhor apoio à acusação: a defesa pede uma perícia financeira para constatar a que patrimônios o apartamento de Guarujá já pertenceu e pertence.
A frustração dos procuradores sobressai da nota que emitiram sobre o interrogatório. As "diversas contradições" de Lula encontradas pela acusação têm três referências. Uma é a "imputação de atos à sua falecida esposa"; outra é "sua relação com pessoas condenadas pela corrupção na Petrobras"; por fim, é "a ausência de explicação [por Lula] sobre documentos encontrados em sua residência".
Nenhuma das três alegações expõe contradição. Além disso, e a começar da última, documentos apócrifos não servem nem para comprovar que estavam onde a acusação diz tê-los encontrado. A segunda alegação precisou ser ainda mais vaga: "relação com pessoas condenadas".
Que relação? Muita gente tem "relação" com corruptos da Petrobras, sem que isso as implique em ilegalidades. Os autores da nota não se sentiram com elementos para indicar o tipo de relação, o que mais expõe fragilidade do que segurança.
Por uma experiência pessoal, vou na contramão da ideia, difundida pela imprensa/TV e adotada como "contradição" na Lava Jato, de que Lula necessariamente valeu-se da morte de Marisa Letícia para lhe fazer imputações.
Pouco depois da disputa eleitoral de Lula e Collor, André Singer me convidou para escrever a apresentação do seu livro-álbum "Sem Medo de Ser Feliz - Cenas de Campanha". Dei ao pequeno texto o título "A estrela de Lurian", filha da primeira companheira de Lula e atingida pelas acusações pagas de sua mãe a seu pai. Levado à casa de Lula um dos primeiros exemplares, Marisa quis vê-lo. A menção a Lurian enfureceu Marisa, que ali mesmo proibiu a distribuição do livro. Não precisei estar lá para saber que Lula, diante da nova cena, manteve absoluta passividade.
Voluntariosa, autoritária, a partir dali Marisa me fez atentar para muitas confirmações da sua tendência, necessidade talvez, de afirmação. Seriam bem coerentes com esse temperamento tanto a iniciativa de negociações por um apartamento, como a posterior insistência contra a recusa de Lula. Nenhum dos ingredientes domésticos desse enredo nos é alheio, por vê-los ou vivê-los.
A perícia pedida pela defesa de Lula já existe. Feita, no essencial, pela Lava Jato. A Polícia Federal não foi mandada à casa e ao instituto de Lula senão para buscar documentos não encontrados na papelada da OAS, para confirmar o presente de um apartamento em retribuição a contratos na Petrobras.
Com Marisa ainda saudável, os mesmos que apontam a exploração de sua morte publicaram, como vazamentos e entrevistas, esta informação agora relegada: a compra e pagamento por Marisa, em uma cooperativa de bancários, de cotas de um futuro imóvel. Negócio não concluído, pretendendo Marisa a devolução dos dois mil e tal que pagou.
Se a Lava Jato silencia sobre suas verificações, é porque não a favorecem. O que torna provável a recusa, por Sergio Moro, da perícia pedida. Nela está, no entanto, a possibilidade de esclarecer, em definitivo, se houve, compra, presente ou nada disso.
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