quarta-feira, 4 de novembro de 2015

NÃO BASTA SERMOS TODOS TAÍS, É PRECISO QUE NÃO HAJA MAIS AMARILDOS



O caso de ataques racistas em um perfil da atriz Taís Araújo chamou, mais uma vez, nossa atenção para os crimes de injúria racial que ocorrem em nosso país. Por mais que se deseje propagar a imagem de que o Brasil é um país cordial e acolhedor, nossos números nos colocam em comparação com nações que vivem em declarada guerra civil. Basta que pensemos no número de homicídios que ocorrem nas nossas metrópoles, na quantidade de desaparecidos e de crimes nunca solucionados.

Há lugares onde o toque de recolher não foi oficialmente decretado por bandidos, mas existe na vida dos cidadãos. A violência que antes era acompanhada com temor em programas como aquele apresentado por Datena agora bate na porta das casas do interior, onde jovens são assaltados em plena luz do dia.

Entre a crise econômica e a crise política, existe aquela que dura séculos e dá sinais de que poderá persistir, inexorável, pelas próximas décadas: a crise de valores.

Nossa herança histórica é marcada pelo colonialismo, pela figura do Senhor, do Coronel e das gentes subalternas. Toda nossa estrutura política preserva os moldes assistencialistas e clientelistas da República Velha. Nossas leis atestam coisas que a prática renega. E na mentalidade popular ainda existem lugares reservados para brancos e negros. Se nossa elite econômica esconde seu preconceito, nossa classe-média não se esforça tanto.

Basta lembrar dos ataques racistas desferidos pela estudante de direito Mayara Petruzo contra nordestinos ao final de uma eleição onde o candidato de sua preferência foi derrotado nas urnas. Mayara foi punida, mas os centenas de usuários que a apoiaram e teceram comentários ainda piores escaparam impunes.

Maju Coutinho, a simpática jornalista que divulga a previsão do tempo, também foi vítima de racistas. Antes dela jogadores de futebol e artistas foram vítimas do mesmo ódio. Parece que as redes sociais passam a errada impressão de que nelas tudo é permitido. Pouco a pouco o conjunto de leis têm se adaptado a essa nova categoria de agressão, mas por mais que se criem códigos de conduta, nenhum deles será efetivo se nossa educação também não mudar. E não falo de ensino, falo de educação mesmo, daquela que vem de casa, com os mais profundos conceitos do que é certo e errado, de como se deve tratar outros seres humanos. Repetindo um conceito difundido popularmente: “ninguém nasce preconceituoso, é levado a sê-lo”.

Hoje todos querem ser Taís. Todos se colocam contra o preconceito. Vale a pena pensar nesses que se colocam contra o racismo mas defendem shoppings exclusivos, camarotes reservados e não querem que aeroportos se pareçam com rodoviárias, como certa vez descreveu uma professora da Pontifica Universidade Católica(!!!) ao deparar-se com um homem de camiseta e bermuda que esperava para embarcar.

Muitos acham intolerável o preconceito com Taís, mas parecem se esquecer que ele é apenas uma das inúmeras serpentes que compõe o cabelo da Medusa. Não basta postar “somos todos Taís”. Precisamos difundir outro tipo de cultura, incentivar nobres comportamentos e jamais esquecer dos Amarildos. Amarildo Dias de Souza, ajudante de pedreiro, foi detido pela polícia na porta de sua casa e levado na direção de uma Unidade de Polícia Pacificadora. Desapareceu no caminho. O preconceito chama mais atenção quando é contra uma pessoa que alcançou o estrelato, mas é ignorado quando atinge babás, porteiros, cozinheiras, diaristas e tantos outros trabalhadores.

Precisamos combater o preconceito dos braços do Estado, que sempre prioriza áreas nobres das grandes cidades, fornece segurança a investidores e protege a propriedade privada. Abandonar a apatia é um começo, cobrar mudanças estruturais deve ser uma meta.

Não basta ser Taís, deve-se lutar para não haver Amarildos.

Emerson Luiz


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